Atuação de tribunais de contas há que ser pautada, cada vez mais, pelos atributos da boa governança interna, pela conduta ética de seus membros.
Por Valdecir Pascoal
“São as instituições que nos ajudam a preservar a decência” (Timothy Snyder).
Momento paradoxal vivem os tribunais de contas. Ao mesmo tempo em que experimentam grandes conquistas, estão diante de uma de suas mais graves crises. Por isso, diversas propostas de emendas (PECs) tramitam hoje no Congresso com o objetivo de reformá-los. A PEC 22/2017, apresentada pelo senador Cássio Cunha Lima, enfrenta da forma mais ampla os atuais desafios éticos e de desempenho destas instituições. A razão é simples: ela é precisa no diagnóstico, reconhecendo e preservando os avanços históricos, além de compreender que as mudanças devem alcançar todos os 34 Tribunais de Contas do Brasil, incluindo o da União.
A PEC 22 possui três grandes eixos. O primeiro é a criação do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas (CNTC), ao qual caberá:
a) processar e responsabilizar seus membros;
b) fiscalizar atos de gestão;
c) fixar metas nacionais de desempenho;
d) dar transparência máxima aos atos administrativos e de fiscalização dos tribunais.
Além disso, poderá uniformizar a jurisprudência sobre temas de repercussão nacional, conferindo mais segurança ao processo de contas. Seu impacto orçamentário será mínimo: funcionará no Tribunal de Contas da União, nenhum integrante será remunerado, as despesas com deslocamentos serão custeadas pelas entidades responsáveis pelas indicações e suas sessões acontecerão, prioritariamente, em ambiente virtual.
O segundo eixo refere-se às mudanças nos critérios de composição. Sem deixar de reconhecer a importância da presença de membros indicados pelo Legislativo, a PEC 22 propõe que os colegiados sejam compostos predominantemente por servidores oriundos das carreiras técnicas, a saber: auditor (ministro e conselheiro substituto), procurador do Ministério Público de Contas e auditor de controle externo. O propósito maior dessa inflexão é o de conferir uma repartição mais equilibrada em relação às competências das duas instâncias de poder responsáveis constitucionalmente pela função de controle externo da gestão: o Poder Legislativo, titular do controle político, e os tribunais de contas, órgãos autônomos e dotados de competências exclusivas, do controle técnico.
O texto propõe, ainda, o fim da livre indicação do Poder Executivo e, para assegurar máxima probidade e independência aos seus membros, estabelece que as nomeações deverão atender a novos requisitos, como: quarentena de três anos; ausência de condenações ou contas reprovadas; e aprovação por um novo quórum de maioria absoluta do Legislativo, no caso dos indicados por esse poder.
Em sua última dimensão, a PEC 22 zela pela segurança jurídica ao buscar reduzir as assimetrias, dentro do sistema, quanto a aspectos gerais do processo de controle externo, como tipologia, prazos e conteúdo das prestações de contas. Para isso, a proposta inclui, entre as matérias de competência legislativa privativa da União, a edição de uma lei nacional, uma espécie de “CPC de Contas”.
A despeito dos grandes avanços vivenciados pelos tribunais de contas, não há dúvidas quanto à necessidade de aprimorá-los. Instituição essencial, sua atuação há que ser pautada, cada vez mais, pelos atributos da boa governança interna, pela conduta ética de seus membros e pelo efetivo desempenho como guardião das contas públicas. Inspirada por esses propósitos, a PEC 22/2017, de forma determinada, sistêmica e equilibrada, aponta para um alvissareiro horizonte de excelência institucional, o que justifica seu amplo debate pela sociedade e pelo Parlamento.
Valdecir Pascoal é presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil.